Translate

terça-feira, 25 de julho de 2017

Homenagem ao Escritor da minha vida - Vânia Moreira Diniz

Vânia Moreira Diniz
Homenagem ao Escritor da minha vida

Vânia Moreira Diniz

Escrever é a conscientização de tudo que se encontra interiormente e é transcrito



durante toda uma vida. Ficção, realidade ou ambas mescladas estão ali formando as

frases que a alma do escriba deixou em versos ou prosa.

Assim como qualquer artista, o escritor derrama sua sensibilidade, sabedoria,

experiência, aprendizado ou análise literária ou técnica com a mesma profundidade do

ator que o representa ou do artífice que molda suas obras com a alma nas mãos.

Passado, presente ou futuro o escritor está sempre sob a influência de imagens ou

conhecimentos que se fixaram e é repassado com o instintivo calor do talento ou dom

com que foi agraciado.

Falo na minha família porque foi lá que observei os primeiros movimentos antes mesmo

de entrar no colégio e quando ainda não tinha noção do que estava sendo feito.

Meu avô, Raymundo de Monte Arraes foi o grande artífice, o artesão das palavras que

pouco depois eu lia encantada, admirando o valor do conteúdo que estava ali entre os

milhões de livros que compunham sua biblioteca.

Raymundo de Monte Arraes
Com ele aprendi o sentido da vida, o valor da escrita e da leitura e observei o quanto

queria passar aos jovens o seu conhecimento para que eles pudessem adquirir “algo que

ninguém lhes podia tirar”.

Sua casa sempre cheia de estudantes e de colegas escritores foi uma fonte de

conhecimento para mim e quando aos seis anos disse a ele que queria ser escritora, senti

em seus olhos uma chama de emoção que na ocasião não poderia saber o que

significava. Hoje imagino que ele não tivesse muito certeza de minha resolução pela

pouca idade, mesmo assim na mesma hora passou a me chamar de “minha pequena

escritora” o que foi para mim um motivo de alegria e orgulho.

A partir daí comecei a escolher nas bibliotecas de meu pai e avô os livros que os autores

que me chamavam atenção, mas como já disse várias vezes os primeiros livros sem

figurinhas que li foi Monteiro Lobato, autor pelo qual me apaixonei perdidamente. E daí

em diante não parei mais de ler compulsivamente.

Hoje é dia do escritor e isso me comove não só pela figura mais importante de minha

história que foi meu avô, mas pelos muitos autores que fizeram com que eu me alheasse

do mundo completamente e vivesse as páginas que “devorava” com sofreguidão.

Agradeço a meus pais, meus avós, meus mestres que me orientaram e deram uma

oportunidade ímpar e uma visão da vida, do mundo, valores imprescindíveis e a todos

os autores e educadores por intermédio dos quais pude dar passos importantes na minha

vida dedicando-me à escrita com amor inigualável.

Na oportunidade desejo dizer o quanto é importante conviver com meus colegas,

escritores brilhantes que iluminam meu caminho e a todos os colaboradores de um

trabalho que me absorve e que sem eles não teria sido possível realizar.

No entanto peço licença a todos para homenagear especialmente ao Escritor Raymundo

de monte Arraes, meu avô com quem aprendi a essência de todos os valores primordiais

da existência e encontrei o incentivo e a orientação para que pudesse persistir na escrita

com fascinação.

Pena que neste momento de um mundo globalizado, progressos estupendos e

conscientização de minha própria experiência ele não possa estar aqui. Mas tenho

convicção, que de onde estiver estará apreciando os frutos que deixou em seus livros,

um dos quais foi reproduzido e homenageado pela Universidade Nacional de Brasília

(UNB)

domingo, 2 de julho de 2017

ARQUITETURA DE ESPANTOS - João Carlos Taveira*


  



Acabo de ler Sortilégio possível, ainda inédito, mas certamente o mais maduro livro de poemas de Ivan Marinho. E talvez o mais oral e visual, desde que aprendeu a descansar os pincéis para abraçar a poesia, uma vez que se divide agora em “três metades” distintas: as artes cênicas, as artes pictóricas e a literatura. Sem contar, naturalmente, a inconfundível disposição para voar.




“FRAGMENTO DO ACASO
Sem gravidade flutuam
Estilhaços de um espelho
E cada parte reflete
Um fragmento do acaso.

Giram dando a impressão
De serem um universo
E são, de certo, mil vezes,
A expressão original

Da mesma parte perdida
A se olhar eternamente.
Ali, imagem pra sempre,
Como se fosse real.

E menos se vê no mundo

E no mundo só se vê
Como entérica alegria
Buscando a rima vazia
De não ser, só parecer.”


Pois bem. O livro está simetricamente construído sobre dois eixos: poemas curtos e estrofes de quatro versos, algumas rimando, mas a maioria sem rima alguma, bastando-lhes, quando muito, a métrica para alcance do ritmo e da plena musicalidade. Ivan se mostra muito à vontade nas redondilhas menor e maior, e grande parte dos seus poemas encontra-se esculpida em versos brancos.

“ORORUBÁ

Dançando em sua cabeça
Voltas ocres de corridas
Ondulam verdes cabelos
Juntos, outros, ao redor.

Em cada volta, a memória
Gesta um breve esquecimento
Para no centro um encontro
Ancestral se revelar.

Memória de gerações
Despertada em sentimentos
Perdidos anos a fio
Das lembranças, das histórias...

E se cabelos são matas,

Tantas voltas, todos um,
No meio da ebulição
Surge, como larvas, homens
E a guerra se faz canção.”

       
Outra característica do autor deste novo trabalho é o lirismo, não o lirismo raquítico e sifilítico magistralmente referido por Manuel Bandeira, mas o lirismo sadio e arejado de quem sabe das agruras da vida e também das delícias do sobrevoo. Ivan, com seus versos, lúcidos e antenados, sabe que o sonho por si só não basta, é preciso colher “nas miragens munição para usá-la quando no descaminho, na vil presença avessa e inesperada”. Por isso, sem titubeio, vem praticando uma poesia também de preocupação social, em que o homem, embora sujeito aos desmandos, é senhor absoluto do rumo de seus ideais. Basta ir à luta.

“PAI, PERDOAI!

Massa, úmida, de barro
Amassada pelas mãos
Cúmplices ou desconhecidas
Modelando a intenção.

Bloco que forma e reforma
Sempre perfeito, pois um,
Quando deforma ignora,
Se não se compara algum.

E cresce lá, grande barro,
Sem jamais querer o forno
Se o fim é a eternidade:
Quente nem frio, só morno.

Sucedem mãos, outras mãos,

Tão mesmas a modelar
A forma que se desfaz
E se refaz sem mudar
Porque não sabe o que faz.”

        Sortilégio possível, editado como merece, há de demarcar um terreno fértil e promissor para o pouso deste arquiteto de espantos. Ivan Marinho, além de amplidões, nuvens e cores, tem, desde já, espaço seguro na grande seara da nova poesia brasileira.
  
Brasília, 15 de abril de 2014.
_______________________________

*João Carlos Taveira é poeta e crítico literário, com vários livros publicados. Em 1994, recebeu do GDF a Comenda da Ordem do Mérito Cultural de Brasília, por relevantes serviços prestados. Pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, à Associação Nacional de Escritores, à Academia Brasiliense de Letras, entre outras.