“Corrupção
e prostituição na capital da República”, dizem alguns blogs. “Trama policial sobre corrupção”,
anuncia o Correio Braziliense. São,
de fato, temas presentes em Canto Escuro, mas funcionam apenas
como invólucros. O que realmente pulsa no romance é o drama do cotidiano — e é
aí que Daniel Barros nos surpreende.
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| Ilustração: Andréia Passoa |
A narrativa
é não linear e dividida em quatro partes. A obra se inicia em um clima de
desesperança: Paulo Henrique se vê encurralado em um dédalo de conflitos. Na
repartição onde trabalha, a corrupção se alastra, e, apesar de tê-la denunciado
a amigos policiais, ele não vê resultados concretos na investigação em
andamento. Paralelamente, enfrenta o comportamento obsessivo da esposa, que
carrega marcas de um relacionamento anterior conturbado e transfere para o novo
casamento medos e desconfianças, como se estivesse destinada a reviver o
passado. A depressão que marca essa
primeira parte parece não lhe oferecer saída — apenas um caminho sombrio.
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| Ilustração: Andréia Pessoa |
A segunda
parte retrocede no tempo. Solteiro, sua vida é marcada por farras, bebedeiras e
o trabalho no setor de compras e licitações de uma secretaria de Estado —
ambiente que poderia se situar em qualquer lugar do país, embora o autor
escolha Brasília. Seus companheiros de boemia são dois policiais do
Departamento de Entorpecentes, com quem vive sob o signo do hedonismo: festas, prostitutas e noites
intermináveis. É nesse contexto que Paulo Henrique começa a desconfiar de
irregularidades em processos administrativos. Buscando orientação, é
apresentado a Ivan Ximenes,
experiente agente especializado em crimes de corrupção na administração
pública. Uma das forças do romance está justamente aqui: na habilidade de
Barros em construir personagens
vigorosos. Ximenes, que inicialmente surge como figura secundária, vai
ganhando densidade e protagonismo ao longo da narrativa.
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| Ilustração: Andréia Pessoa |
Ao final
dessa parte, Paulo Henrique entra em conflito consigo mesmo. As ressacas em
lugares desconhecidos, a direção irresponsável, as oportunidades desperdiçadas
e o tédio da repartição levam-no a uma resolução: arquitetar algo real e duradouro. Assim, abre-se a terceira parte:
casamento, nascimento de um filho, tentativa de reconstrução. Quando os
problemas conjugais emergem, ele acredita, ingenuamente, que o tempo resolverá
tudo. No entanto, o desgaste se prolonga — tanto no casamento quanto na
investigação conduzida por Ximenes. É então que a narrativa retorna ao ponto
inicial, encaminhando o leitor à parte final.
É no dia a dia das pessoas comuns que Daniel
Barros reafirma seu estilo. Alguns tentam enquadrar seus romances como
policiais ou eróticos, mas o essencial está na verossimilhança com a vida: são
histórias que nos fazem questionar se a narrativa é ficção ou realidade. E, com
uma leve pitada machadiana, o autor
de Mar de Pedras nos deixa uma
dúvida: Diana Lane Dier traiu ou não
Paulo Henrique?
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| Ilustração: Andréia Pessoa |
Mais uma
vez, Daniel dá vida a personagens que parecem existir fora das páginas — como
Carolina em Mar de Pedras e Ivan
Ximenes em Canto Escuro. Para quem
acompanha sua trajetória literária, o desfecho não deixará de causar impacto:
um final tecido com tragédia e desesperança, marca presente em seus três
primeiros livros.
Surpreendam-se.
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