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quinta-feira, 4 de julho de 2019

A máscara de Flandres - por Daniel Barros

A MÁSCARA DE FLANDRES

DANIEL BARROS*

     A máscara de Flandres, Editora Giostri, 2017, 188 páginas, da escritora Cristiane Krumenauer nos apresenta um enredo bem construído, narrativa composta com esmero e uma história que se passa em duzentos anos, o que nos proporciona uma longa viagem. 
Tudo tem início no século XIX, quando Geraldo Medeiros, filho de um Barão do café em uma pequena cidade do interior de São Paulo, torna-se o perpetrador de uma série de crimes praticados contra negras escravas. Não lhe bastava matá-las, havia ainda que torturá-las e estuprá-las. Ora, caro leitor, não é preciso dizer-lhe qual a punição recebida pelo jovem sinhozinho, pois se, nos tempos de hoje, há quem defenda a tortura e não seja execrado, imagine naquele tempo. 
     Já no século XXI, a autora nos apresenta Alice Stoifeld, investigadora dedicada, que sofre preconceito machista de seus pares e superiores na delegacia onde trabalha. Certa manhã, Jackson, um policial militar, único com quem a policial tem uma boa relação, leva-lhe a notícia de um possível arrombamento no museu da cidade, a antiga Casa-grande da família Medeiros que, com o passar dos anos e pela ampla repercussão dos crimes ocorridos lá, tornou-se palco onde eram exibidos os instrumentos utilizados por Geraldo Medeiros na morte e tortura de suas vítimas, bem como toda a história por ele mesmo narrada, em um volumoso diário de capa de couro. Um ponto forte na construção narrativa de Krumenauer é uma história dentro de outra história, como se lêssemos dois livros que se entrelaçam para compor um único e belo enredo. Ao diligenciar o museu para verificar o suposto crime, Stoifeld constata, para sua surpresa, que houve o furto de todos os instrumentos de tortura e também do monstruoso diário; porém mais nada foi levado, apesar de relíquias valiosas constarem do acervo daquela entidade. E, enquanto o delegado, o prefeito e a curadora do museu se preocupavam com a ação de “vândalos”, a jovem investigadora com aguçado tirocínio policial, apesar da pouca experiência, tinha outros temores... entre os quais, que surgisse, dois séculos depois, outro “Geraldo Medeiros”. 
Cristiane Krumenauer
     Todos os elementos para um clássico policial estão presentes no enredo, mas Cristiane não é uma simples escritora e mais uma vez nos surpreende. Paralela à investigação do furto e de suas consequências, a autora mostra a vida pessoal da investigadora Alice Stoifeld, seus anseios e conflitos, fato que traz o leitor para dentro da história, além de proporcionar uma forte empatia com a personagem, o que foge dos clássicos e distantes investigadores do passado, onde os protagonistas figuravam como verdadeiros heróis, quase inatingíveis. 
     Por fim, caro leitor, apenas algo chama atenção negativamente: a péssima edição da Editora Giostri. Uma edição em letras miúdas e que, apesar da riqueza do enredo, poderia inspirar uma belíssima capa, mas, ao contrário, oferece-nos uma capa opaca e de difícil compreensão. Tal edição pode até afastar leitores menos experientes, ao se depararem com o presente volume. Entretanto, não conseguirá tirar a magia da criação literária que nos oferece Cristiane Krumenauer. Não tenho dúvidas de que A máscara de Flandres terá lugar de destaque em sua biblioteca, na estante de romances policias. 
Boa leitura!
*Romancista, contista, pós-graduado em segurança pública e policial há 22 anos


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