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terça-feira, 11 de novembro de 2025

Corrupção e prostituição na capital da República - Por Henry Costa



Editoralitteralux/canto-escuro

“Corrupção e prostituição na capital da República”, dizem alguns blogs. “Trama policial sobre corrupção”, anuncia o Correio Braziliense. São, de fato, temas presentes em Canto Escuro, mas funcionam apenas como invólucros. O que realmente pulsa no romance é o drama do cotidiano — e é aí que Daniel Barros nos surpreende.

 

Ilustração: Andréia Passoa
A narrativa é não linear e dividida em quatro partes. A obra se inicia em um clima de desesperança: Paulo Henrique se vê encurralado em um dédalo de conflitos. Na repartição onde trabalha, a corrupção se alastra, e, apesar de tê-la denunciado a amigos policiais, ele não vê resultados concretos na investigação em andamento. Paralelamente, enfrenta o comportamento obsessivo da esposa, que carrega marcas de um relacionamento anterior conturbado e transfere para o novo casamento medos e desconfianças, como se estivesse destinada a reviver o passado. A depressão que marca essa primeira parte parece não lhe oferecer saída — apenas um caminho sombrio.


 

Ilustração: Andréia Pessoa
A segunda parte retrocede no tempo. Solteiro, sua vida é marcada por farras, bebedeiras e o trabalho no setor de compras e licitações de uma secretaria de Estado — ambiente que poderia se situar em qualquer lugar do país, embora o autor escolha Brasília. Seus companheiros de boemia são dois policiais do Departamento de Entorpecentes, com quem vive sob o signo do hedonismo: festas, prostitutas e noites intermináveis. É nesse contexto que Paulo Henrique começa a desconfiar de irregularidades em processos administrativos. Buscando orientação, é apresentado a Ivan Ximenes, experiente agente especializado em crimes de corrupção na administração pública. Uma das forças do romance está justamente aqui: na habilidade de Barros em construir personagens vigorosos. Ximenes, que inicialmente surge como figura secundária, vai ganhando densidade e protagonismo ao longo da narrativa.

 

Ilustração: Andréia Pessoa
Ao final dessa parte, Paulo Henrique entra em conflito consigo mesmo. As ressacas em lugares desconhecidos, a direção irresponsável, as oportunidades desperdiçadas e o tédio da repartição levam-no a uma resolução: arquitetar algo real e duradouro. Assim, abre-se a terceira parte: casamento, nascimento de um filho, tentativa de reconstrução. Quando os problemas conjugais emergem, ele acredita, ingenuamente, que o tempo resolverá tudo. No entanto, o desgaste se prolonga — tanto no casamento quanto na investigação conduzida por Ximenes. É então que a narrativa retorna ao ponto inicial, encaminhando o leitor à parte final.

 

 É no dia a dia das pessoas comuns que Daniel Barros reafirma seu estilo. Alguns tentam enquadrar seus romances como policiais ou eróticos, mas o essencial está na verossimilhança com a vida: são histórias que nos fazem questionar se a narrativa é ficção ou realidade. E, com uma leve pitada machadiana, o autor de Mar de Pedras nos deixa uma dúvida: Diana Lane Dier traiu ou não Paulo Henrique?

 

Ilustração: Andréia Pessoa
Mais uma vez, Daniel dá vida a personagens que parecem existir fora das páginas — como Carolina em Mar de Pedras e Ivan Ximenes em Canto Escuro. Para quem acompanha sua trajetória literária, o desfecho não deixará de causar impacto: um final tecido com tragédia e desesperança, marca presente em seus três primeiros livros.

Surpreendam-se.


terça-feira, 28 de outubro de 2025

Mandacarus (Patuá 2025) Uma Obra que Surpreende pela Originalidade - Por Daniel Barros.

 

Mandacarus (Patuá 2025) Vendas  


Uma Obra que Surpreende pela Originalidade

 

Por Daniel Barros *

 

Iniciei a leitura com certa reserva. Tendo acabado de ler A Representação Social do Cangaço, de Rosa Maria Bezerra, e Cangaceiros e Pedra Bonita, de José Lins do Rego, receava uma abordagem repetitiva ou convencional do tema, tão marcante no romance dos anos 1930.

 Leonardo Almeida Filho, no entanto, surpreendeu-me com um romance esplêndido. Embora dialogue com temas semelhantes, destaca-se pela escrita original e vanguardista. A obra não apenas revisita o universo do cangaço, mas o faz de modo inovador, propondo novas perspectivas sobre personagens, conflitos e contextos históricos.

 O autor demonstra rara habilidade narrativa, equilibrando rigor histórico e intensidade literária. Cada capítulo revela nuances que desafiam o leitor a pensar além do óbvio, criando uma experiência envolvente e reflexiva.

 Leonardo Almeida Filho também nos leva a refletir sobre nossas origens. O uso de expressões regionais é preciso e abrangente, resgatando termos que se perdem com a globalização cultural. Confesso certa vergonha por tê-los esquecido; o romance os documenta de forma harmoniosa, integrando-os naturalmente à narrativa.

 O vanguardismo do autor se manifesta em capítulos construídos como parágrafos únicos — não por efeito estilístico, mas pela ausência da necessidade de subdivisões, tão comum em textos contemporâneos voltados a linguagens comerciais. Essa estrutura liberta a narrativa de amarras, evidenciando que a verdadeira arte cria, não repete. Em uma perspectiva moderna, pensadores como Jean-Paul Sartre e Albert Camus viam a arte como um ato de liberdade e de criação de sentido em um mundo considerado absurdo; Léo nos mostra que, mesmo em um tema já tão explorado, é possível renovar a experiência de leitura com beleza e intensidade.

Se você, como eu, já leu sobre cangaço, seca e êxodo, e teme a repetição, prepare-se para uma grata surpresa: este livro renova o olhar sobre um tema rico e complexo, impondo-se pela originalidade e força narrativa.

*Romancista, contista, pós-graduado em segurança pública e policial há 28 anos.


sexta-feira, 24 de outubro de 2025

MESA POSTA PRATOS FRIOS

 MESA POSTA PRATOS FRIOS  ( Vendas )




Primeiramente, queria ressaltar a construção de uma narrativa que induz o leitor a “pensar”, e, de certa forma, formular as conjecturas do crime “em conjunto” com os agentes. Como vê-se, por exemplo, na construção do enredo da relação entre os crimes ocorridos – a observação de um modus operandi com regiões de disparos que não podiam ser coincidência, inclusive, regiões que atiradores de elite buscam atingir para evitar reação da vítima, ou seja, quando mais perquirido, a observação de um criminoso metódico e experiente, com habilidades advindas de muito treinamento. Algo que busca o pensamento intuitivo do legente, fazendo este refletir sobre quem cometeu os crimes. Essa narrativa traz à tona uma visão didática do autor (característica docente). O livro, de forma muito fidedigna à realidade policial e que, por ser uma continuação de outro livro, começa em uma situação pós tragédia onde os poderosos deram um recado aos que buscam a justiça pela lei, traz a desconexão com a ideia de uma justiça vendada (imparcial), onde, inclusive é dito no livro, a justiça tem as “mãos livre para desvendarse quando bem queira”. Além do mais, vem também a ideia do pensamento de pessoas corruptas que têm a visão de cidadãos honestos como “oponentes”, ou seja, criando uma divisão entre “nós e eles”, mostrando a ausência de uma consciência de uma só polícia. Percebe-se, também, a covardia dos ratos e a lealdade de companheiros a um policial honrado. Alcides, policial que construiu toda sua história na polícia de forma honesta, tem que tomar uma decisão na qual vai de encontro com seus ideais, pois, ele, um homem que sempre seguiu a lei; que sempre defendera a vida e não a morte, terá que fazer justiça com suas próprias mãos. O livro traz de modo excelente toda a angústia e dúvidas causadas a Alcides após e anteriormente ao primeiro assassinato. Mas, toda o desanuviamento após o segundo ato, muito por conta da ideia de trabalho feito e pelo vislumbre de tempos mais justos, onde aqueles que servem a elite em detrimento do povo sangra.  



Rafael Marinho Cunha de Barros 

Leitor e matemático


sexta-feira, 19 de abril de 2024

Mesa Posta Pratos Frios - CHAME POR SEGURANÇA - pelo Profº Doutor Marcos Fabrício Lopes da Silva*

 CHAME POR SEGURANÇA

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


O primeiro parágrafo me disse para continuar na leitura de Mesa posta pratos frios (2023), livro de Daniel Barros:

https://www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/mesa-posta-pratos-frios
“Uma sombra de dor e tristeza encobria a beleza do entardecer no Planalto Central. A honra e a coragem de um homem o levaram àquele triste momento. Os poderosos deram seu recado às pessoas que buscam, na lei, a Justiça. Interpretações nada imparciais colocaram em liberdade um criminoso contumaz. A Justiça tem venda nos olhos, mas tem, igualmente, as mãos livres para desvendar-se quando bem queira, sobretudo quando os réus são de sua própria casta”. 

Com o auxílio do psicólogo Marco Antônio de Azevedo (PUC-MG), podemos dizer que a narrativa de Daniel Barros nos leva a reconhecer o mundo do crime através de duas perspectivas: a culturalista e a racionalista. A respeito, o autor do estudo Concepções sobre criminalidade e modelos de policiamento descreve: “da primeira derivam políticas públicas destinadas a reduzir a criminalidade através de uma atuação sobre a desorganização social. Na segunda privilegia-se uma estratégia segundo a qual o principal papel do Estado é dissuadir o criminoso da prática delituosa” (VIII Colóquio Internacional de Sociologia Clínica e Psicossociologia, UFMG, julho de 2001). A obra de Daniel Barros ultrapassa o senso comum sobre o universo criminal e os modelos de policiamento, valorizando o difícil debate sobre segurança pública e seu papel na promoção da cidadania. Na trama em destaque, o fazer policial se desdobra complexo e bem distante do paradigma simplório e maniqueísta que divide o mundo em mocinhos e bandidos.

Existem considerações mais pragmáticas que deveriam ser levadas em consideração. O mundo da investigação policial, sob a ótica literária de Daniel Barros, torna-se fator de preocupação e estudo, quer no âmbito da prevenção e repressão aos crimes, quer pelos desdobramentos que suas ações são capazes de provocar. Dentro deste contexto, de violência e risco, como falar do policial sem se remeter à farda que o veste? Como desvinculá-lo da imagem repetidamente explorada, seja ela boa ou ruim, de herói ou de vilão? Como olhar o indivíduo, humano, sem julgá-lo por atos de alguns (poucos ou muitos?), sem recriminá-lo, sem dar a chance de acolhê-lo em seus dilemas? Assim como aquele que pede ajuda, o policial também chora diante do infortúnio, também briga, também grita e também se indigna com tudo o que tira a esperança na dignidade humana. Trata-se de temática bastante instigante, pois nos evidencia o quanto o trabalho do policial depende intimamente, muito mais do que de sua força ou coragem, de condições psicológicas que lhe garantam certo bem-estar diante de tão extenuante tarefa.


Daniel Barros.
Foto: Gabriel Marinho
Daniel Barros dedica atenção esmerada aos policiais que arriscam a vida para cumprir seu dever, apesar do salário baixo, apesar da imagem deteriorada da corporação, a despeito da vergonha que os companheiros corruptos lhes causam e da profunda miséria humana que lhes cavam um buraco na alma. Mesa posta pratos frios nos lembra sobre o papel que se espera da polícia na preservação da ordem pública, incluindo a incolumidade das pessoas e do patrimônio, como também, e principalmente, assegurando e promovendo o respeito à dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, defende tais princípios e nos faz acreditar que os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, ao contrário do dito comum, não embaraçam as ações policiais, mas as norteiam e as legitimam. 

Em razão da relevante função que as polícias cumprem, a busca da segurança pública e a busca da cidadania plena deverão constituir um projeto solidário do poder público e da sociedade. Para tanto, como salienta o livro de Daniel Barros, convém reconhecer a complexidade, a heterogeneidade, a diversidade e a incerteza que afetam diretamente o desempenho dos serviços policiais. Não à toa, a insegurança que atravessa o Brasil é sentida por todos os ramos da sociedade, motivo este que vem refreando o país em seu desenvolvimento econômico e cultural. Apesar dos pesares, ainda se vê na justiça o último refúgio de um ideal democrático desencantado (Antoine Garapon, O guardador de promessas: justiça e democracia, 1998).

As polícias representam o início do enfrentamento aos atos ilícitos. Em seguida, estão o Ministério Público e o Poder Judiciário. O Poder Legislativo também exerce o seu papel, pois tem condições de criar leis, sugerir ações das instituições e promover o debate sobre a violência. Destacando a natureza multidimensional do trabalho policial, Mesa posta pratos frios cirurgicamente destaca: as deficiências das atividades de investigação e inteligência policial estão entre os principais problemas do sistema de justiça criminal. Em momento quente da obra, a discussão entre o investigador Ximenes e o delegado Guilherme Lourenço gira em torno da distância entre a criminalidade detectada e a investigada: “— Essa sua pressa é que fode tudo – disse Ximenes. — Investigação requer paciência e observação de detalhes. Com afobação não enxergamos as nuances das coisas. Já perdemos muito tempo nesse inquérito e tempo é ouro num crime de homicídio”


Em outras palavras, a investigação policial consiste em um trabalho que deve ser efetuado de forma eficiente e eficaz para que haja consequências efetivas em termos da garantia de segurança pública. Mas não são apenas estes aspectos técnicos que estão em jogo. No enfrentamento da violência, tanto dentro como fora do corpo policial, os fundamentos éticos devem orientar a melhor conduta. Conforme expressa o ideal de Ximenes, no epílogo de Mesa posta pratos finos: “A polícia tem que ter independência. Alcides, você sabe muito bem disso. Temos que trabalhar para a sociedade e não apenas para a elite”


* Jornalista pelo UniCeub. Doutor e Mestre em Literatura Brasileira na UFMG, onde integra o Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade, da Faculdade de Letras. Poeta e autor do livro Machado de Assis, crítico da imprensa (Outubro Edições, 2023). É professor autônomo e pesquisador independente.