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sábado, 22 de abril de 2017

A ESTREIA LITERÁRIA DE PEDRO MANZKE João Carlos Taveira*

A ESTREIA LITERÁRIA DE PEDRO MANZKE


João Carlos Taveira*


Acabo de ler o livro de estreia de Pedro Manzke, A Irmandade dos Cavaleiros Probos, com indisfarçável entusiasmo. Trata-se de uma história bem urdida e bem acabada, que apresenta uma novidade em termos narrativos, pois transita entre o real, o surreal e o onírico. Ao descrever a vida de três rapazes (Pedro, Maximiliano e Aleixo), o autor nomeia uma voz feminina para acompanhar as aventuras e desventuras dos jovens colegas de escola, num período que vai do início do ensino médio até o ingresso na faculdade, embora os dois primeiros se conhecessem desde a primeira infância. E entrega a essa jovem ‘sem nome’ o destino de personagens díspares e tão contraditórios. Esse narrador feminino, por sinal, tem vida abundante no percurso da história e, de certa forma, compõe o quarto elemento da irmandade proposta, ainda que de maneira onisciente.

Pedro Manzke
A narrativa, na primeira pessoa, foi construída em 27 capítulos curtos, e todos eles apresentam um título, além da numeração tradicional. A linguagem, simples e direta, às vezes alcança um tom coloquial propício ao relato autobiográfico, mas só na aparência, pois o Pedro da história nada tem a ver com o Pedro que assina o livro. (Talvez a medicina seja o único ponto comum entre autor e personagem.) E assim, em ziguezague, os fatos descritos vão ganhando contornos cada vez mais dramáticos e surreais. Embora ofereça uma leitura não linear, o texto em nenhum momento deixa o fio condutor obscuro ou imperceptível; e a narradora utiliza-se da fala dos personagens para criar e expor um arcabouço psicológico e afetivo, e dar-lhe verossimilhança enquanto expressão dramática. Mas todos eles estão condenados à dilaceração ou ao isolamento, e isso se manifesta muito claramente nas ações coletivas e nos monólogos interiores.

Assim, A Irmandade dos Cavaleiros Probos vai aos poucos unindo o real e o onírico num mesmo espaço físico e geográfico. O tempo passa e a aranha vai tecendo a sua teia, inexoravelmente. Os jovens adolescentes agora são adultos e cada qual com seu problema pessoal e intransferível; e todos com suas vitórias e alegrias e também com suas aflições e desesperanças. Estão diante de um novo mundo em construção e, ao mesmo tempo, fadados à aceitação do caos que a vida lhes impõe. Para Pedro, a vida é um sopro; por isso precisa ser vivida intensamente. Maximiliano, materialista convicto, procura viver o instante sem medir consequências; quase um hedonista. Já Aleixo, de origem bizantina, cultiva o conhecimento intelectual e mantém-se calado até quando bêbado; mesmo diante de situações adversas, nunca perde o ar contemplativo e absorto. Nem o controle da situação.

Por sua vez, a narradora, ao descrever-se, deixa bem claro: ela nunca foi uma “menina linda, invejada detentora das notas mais altas e, de quebra, boa em todos os esportes”. Noutro trecho, assim se manifesta: “Estou com trinta e dois anos, recém completados, casei-me, tenho dois filhos e utilizo remédio para depressão diariamente. O príncipe encantado não apareceu. Contentei-me com a realidade.” E conclui: “Minha vida esteve e está longe de ser a de uma Madame Bovary.” (...) “Fora isso, porém, não tenho muito do que reclamar. Estou ciente do meu devido lugar como mera coadjuvante — os astros da história são Pedro e Max.” Nega, assim, a importância de Aleixo e a de seu cachorrinho Lulu, que tem incontestável participação na trama. E essa contradição nos oferece a princípio a chave do mistério: para ela, Pedro e Maximiliano representam o verdadeiro ideal do amor romântico, mas tanto um quanto o outro não chegou a ser um típico candidato a marido; nunca puderam lhe oferecer mais que o puro sentimento de amizade.

Publicado em 2013 por Escrituras Editora, o livro não é de fácil classificação. Romance? Novela? Pode filiar-se aos dois gêneros e a nenhum deles. Tudo vai depender do leitor. Mas isso pouco importa. O certo é que a ficção de Pedro Manzke, jovem autor gaúcho-brasiliense que vive em São Paulo, vem enriquecer o momento atual da literatura brasileira, por sua inventividade e ousadia.
João Carlos Taveira


Brasília, 29 de outubro de 2014.

*João Carlos Taveira, mineiro de Caratinga, mora em Brasília desde 1969. Tem vários livros publicados, entre os quais O Prisioneiro (1994), Aceitação do Branco (1991), Arquitetura do Homem (2005). Em 2012, o escritor Alan Viggiano escreveu e publicou A Fortuna Poética de João Carlos Taveira, livro em que traça a trajetória literária de Taveira.



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