Translate

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O FÃ - Cristiane Krumenauer

O fã
 


   Aconteceu o que tanto queria. Ser reconhecida por um leitor na rua, ou melhor, numa churrascaria. Fiquei sem palavras. O garçom ofereceu-me uma maminha ultra-assada. Eu, gaúcha de carteirinha e certidão de nascimento, disse:
   
   - Prefiro malpassada. E quanto mais suculenta, melhor. Gosto da carne cheinha de sangue.

   Ele me olhou de soslaio e de repente, perguntou:

   - Você não é aquela escritora que vive matando personagens? A tal da Cristiane Krum... Krumnauar (ninguém sabe mesmo pronunciar meu sobrenome!)

   - Sim, sou eu – respondi, toda feliz de ser reconhecida por um fã.

   O garçom sacudiu a cabeça, pensativo, com o espeto de maminha torrada na mão esquerda e uma faca afiada na direita.

   - Por que você matou o cara? Eu gostava dele, achava que aquele personagem devia viver.

   - Que cara?

   - Ah, você não sabe? Deve ter matado um monte de personagem, então.

   Remexi na cadeira:

   - Olha, apenas fui coerente com a história. Se o personagem morreu, é porque tinha que morrer – respondi, sem saber ainda de qual personagem o garçom falava.

   - Isso é egoísmo. Quando o leitor gosta, você vai lá e mata o cara? – Ele ainda segurava a faca. Parecia que a apontava para mim.

   - Ah, desculpe – era prudente não contradizer alguém armado.

   - Vai querer malpassada mesmo ou esta maminha serve? – agora a faca balançava de um lado a outro.

   - Serve sim, serve sim.

   Achei melhor uma carne torrada no meu prato do que crua. Sabe-se lá o que ele serviria depois.



Cristiane Krumenauer
Autora de Atrás do Crime; Chamas da Noite; 
Memória, Imaginação e Narração e da série Contos da Namíbia

Nenhum comentário:

Postar um comentário