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sábado, 25 de fevereiro de 2017

Galo da Madrugada - Daniel Barros*







      Acordar cedo com uma leve ressaca, para acompanhar o galo. Levanta, toma um bom café, e se prepara, nada de relógio, cordão de ouro, carteira... apenas dinheiro espalhado em vários bolsos, identidade no compartimento interno da bermuda. Assim, quase “nu”, comete os primeiros desatinos do dia. Não passar protetor solar, por não gostar do cheiro, nem usa chapéu, pela preocupação de perdê-lo.
      O clube carnavalesco GALO DA MADRUGADA surgiu em 1978, na Rua Padre Floriano nº 43, bairro de São José, Recife, capital de Pernambuco, criado por Enéas Freire. Em 1995 foi oficialmente considerado o maior bloco de carnaval do mundo pelo Guinness book, livro dos recordes. O clube dos mascarados Galo da Madrugada atingiu, em 2011, um milhão e setecentas mil pessoas. De lá para cá, não para de crescer. Em 2012, dois milhões. Este ano estima-se que acompanharam, pelas ruas do centro de Recife, cerca de 2,5 milhões de foliões. 
      O sol matutino do Nordeste do Brasil já o fez arrepender-se dos desvarios cometidos, um deles, esquecer o protetor solar. Apesar de ser avesso a corridas (Cooper), inicia seu carnaval correndo, pois precisa chegar à Frevioca — onde as melhores músicas eram cantadas — que está à frente no bloco. Quase na metade da corrida, uma pequena parada, ôba! Uma cerveja, latão a três e cinquenta centavos, ótimo preço. Mais outro “corridão”, e agora o que o aflige é o medo de não encontrar banheiro, o que fazer? Sem beber não dá, sem ter onde se aliviar, lascou!
      Indubitavelmente o maior bloco do mundo. E será difícil ser batido um dia, a não ser que haja uma drástica redução da população recifense. A alegria do frevo é contagiante: impossível ficar parado. Popular e democrático, pois ao menor sinal de mudança no ritmo pernambucano, os foliões protestam até a volta dos ritmos tradicionais. O maior bloco de carnaval do mundo também poderia ser o maior bloco gay do planeta! (Duvido haver concentração semelhante em qualquer outra parte.) Que meus amigos pernambucanos não fiquem com mágoa de mim, mesmo porque tal convívio só demonstra o espírito de respeito à diversidade desse povo magnífico, de uma cultura esplêndida e tão diversa na riqueza de ritmos e imagens, o que ressalta a tradição e alegria pernambucana.
      Todos os anos, um notável esquema de segurança é montado, com policiais dispostos ao longo de todo o trajeto. Acompanha-se a Frevioca na mais tranquila paz, até o final do desfile. Quando os primeiros blocos já estão dispersos, para-se para tomar uma cerveja. É aí que, de repente, abre-se no meio dos foliões um espaço e as pessoas começam a correr. Típico de início de briga. Homens, mulheres, velhos e crianças buscam um lugar seguro. Entretanto, para o bem dos foliões, surgem vários homens com bonés cor de laranja, a Polícia Militar, que trajam tais bonés para serem mais bem identificados no meio da multidão. Delinquentes iniciam uma tentativa de arrastão, como é característico dessa corja de marginais, covardes e oportunistas, correm da polícia, justamente em direção à população ordeira, causando ainda mais medo a todos.
      E para não perder o costume — contrariando o poeta João Carlos Taveira e o professor Ático Villa boas, que sonham com o dia em que eu abandone as armas para me dedicar inteiramente às letras, como fez Ruben Fonseca — ou até mesmo pelo instinto profissional, sinto-me compelido a algo fazer, mas o quê? Como foi dito, estava “nu”, totalmente desprovido de qualquer instrumento de trabalho para devida intervenção. Como ajudar, sem por em risco a própria vida e a das pessoas que estavam ao lado? Nisso, vendo a aproximação dos policiais, escolhi um dos marginais que corria na frente. Súbito, desferi um chute certeiro na canela dele, que titubeou e caiu um pouco mais adiante, sendo agarrado pelos policiais que vinham logo atrás. Vendo isso, um “marinheiro”, pois assim estava fantasiado um brincante ao lado, sujeito baixo de rosto redondo e faces suadas, aproveita o descuido de outro pulha e o pega pelo pescoço, entregando-o à polícia. Logo começam os aplausos de apoio e agradecimento àqueles homens e mulheres, cabeças laranja, que com suas honradas ações, permitem que se brinque o carnaval com paz e tranquilidade. Assim, Pernambuco tem não só o maior e mais belo carnaval do Brasil, e também o mais seguro e prazeroso.

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Daniel Barros, escritor alagoano, reside em Brasília.

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