O fã
Aconteceu o que tanto queria. Ser reconhecida por um leitor na rua, ou melhor, numa churrascaria. Fiquei sem palavras. O garçom ofereceu-me uma maminha ultra-assada. Eu, gaúcha de carteirinha e certidão de nascimento, disse:
- Prefiro malpassada. E quanto mais suculenta, melhor. Gosto da carne cheinha de sangue.
Ele me olhou de soslaio e de repente, perguntou:
- Você não é aquela escritora que vive matando personagens? A tal da Cristiane Krum... Krumnauar (ninguém sabe mesmo pronunciar meu sobrenome!)
- Sim, sou eu – respondi, toda feliz de ser reconhecida por um fã.
O garçom sacudiu a cabeça, pensativo, com o espeto de maminha torrada na mão esquerda e uma faca afiada na direita.
- Por que você matou o cara? Eu gostava dele, achava que aquele personagem devia viver.
- Que cara?
- Ah, você não sabe? Deve ter matado um monte de personagem, então.
Remexi na cadeira:
- Olha, apenas fui coerente com a história. Se o personagem morreu, é porque tinha que morrer – respondi, sem saber ainda de qual personagem o garçom falava.
- Isso é egoísmo. Quando o leitor gosta, você vai lá e mata o cara? – Ele ainda segurava a faca. Parecia que a apontava para mim.
- Ah, desculpe – era prudente não contradizer alguém armado.
- Vai querer malpassada mesmo ou esta maminha serve? – agora a faca balançava de um lado a outro.
- Serve sim, serve sim.
Achei melhor uma carne torrada no meu prato do que crua. Sabe-se lá o que ele serviria depois.
Cristiane Krumenauer
Autora de Atrás do Crime; Chamas da Noite;
Memória, Imaginação e Narração e da série Contos da Namíbia
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