Caçada Proibida
“O meio mais fácil de destruir seu inimigo é pensar como ele pensa”. Ou era isso que se passava pela mente de Marcinho. Com o estilingue em punho e um olho fechado, ele mirava em uma lagartixa, pronto para despregá-la do muro da casa da sua avó materna.
— Márcio Rocha de Melo — Dona Maria berrou da porta da cozinha. — Quantas vezes já te falei pra não mexer com essas lagartixas, menino? — ela colocou a mão na cintura esperando o neto retrucar com alguma desculpa esfarrapada.
— Mas vovó.... — Ele abaixou sua arma.
— Não tem mais nada! — Ela interrompeu o neto apontando o dedo indicador da mão esquerda para ele. Com a mão direita na cintura rechonchuda, ela emendou — Eu já te falei rapazinho, se eu ver o senhor estragando meu muro caçando esses bichos, vô pegar a que matou e vô fritar pro cê comer.
— Eca vovó — o menino disse com cara de nojo.
— Agora, me passa pra cá esse estilingue — dona Maria ordenou estendendo a mão.
— Ah, nem vovó — Marcinho resmungou relutante...
Mesmo sem querer Marcio foi bonzinho e obediente ao comando da sua vovó, lhe entregando o bodoque com as munições que restavam.
— Rum... — murmurou a senhora prendendo os lábios e franzindo suas finas sobrancelhas grisalhas onde ainda restavam alguns pelos negros.
Dona Maria, depois de ter confiscado o brinquedo do neto, entrou em casa.
Marcinho jogou os ombros aborrecido e se sentou no piso de concreto. Apoiou os cotovelos nos joelhos e suas mãozinhas apoiaram seu rosto em um formato de cuia.
Não poderia mais fazer nada, sem seu estilingue, apenas olhava bem para seus arqui-inimigos quase mortais, desfilando na parede do muro. Ele arquitetava algum plano, enquanto admirava os passos delas.
— Marcinho, o almoço tá pronto — sua avó o chamou perto da porta.
— Já tó indo vovó....
Ele se levantou às pressas e antes de entrar no banheiro, Marcinho fitou a lagartixa com os olhos semicerrados, balançando sua cabeça conforme a lagartixa fazia com a dela. “Não se preocupe minha amiguinha, logo, logo voltamos a brincar”.
O garoto saiu ao encontro de sua avó para lavar as mãos e se sentar à mesa já que a sua caçada fora proibida. Por enquanto.
Raick Tavares |
* nasceu em 1992 em João Pinheiro - MG. Radialista há dez anos, palestrante, colunista e idealizador do projeto podcast Um Livro C/ Café. Atualmente mora na cidade de Paracatu – MG, com a esposa.
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