Casa assombrada de memórias
No quarto dela, havia um guarda-roupas muito antigo. Era
escuro, gigantesco e assustador. Aninha jamais punha suas roupas nele. Temia
que fosse devorada pelo móvel. Então, simplesmente delegava a tarefa à avó. A
idosa esboçava um sorriso chupado quando via a bagunça no quarto e compreendia
o temor de Aninha, tomando para si a responsabilidade de guardar tudo.
À noite, quando Aninha ia para o quarto e se deitava na
cama, ao lado do roupeiro maligno, sua imaginação disparava e ela temia que o
móvel fosse ganhar vida. Era difícil viver na casa da avó depois da morte do
pai e da mãe. Aquele lugar pertencia a uma outra história; não a dela. E o
roupeiro era assombrador; assim como o quarto, a cozinha e todo o resto,
mobiliado com móveis carregados de vidas passadas – velhos e sombrios, como se
carregassem pesadelos de outras gerações. A sensação não podia ser diferente:
até as paredes eram horripilantes, ornamentadas com retratos de pessoas já
mortas. Todas, sem exceção, haviam partido para o além, mas continuavam
sorrindo maquinalmente, como se, antes de partirem, tivessem que registrar que
a vida foi boa, porém, a morte existia.
Aninha chorava às escondidas. A avó e sua idade avançada
representavam mais um fim à espreita. O espírito débil e a imaginação célere
atuavam em quem a menina viria a ser.
Um dia, decidiu fugir daquele lugar. Aninha precisava de
paz, de sossego. Acabaria enlouquecendo naquela casa, vivendo entre os mortos e
dormindo diante daquele roupeiro. Ela desapareceu no ano de 2017, para nunca
mais voltar.
Lá fora, acabou descobrindo que o perigo real estava nos
vivos.
Sobre a autora:
CRISTIANE KRUMENAUER é autora de Atrás do Crime; Chamas da Noite;
Memória, Imaginação e Narração; e da série de suspense Contos da Namíbia
Casa assombrada de memórias
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