Mau Senso
Nonsense é o resultado de um pensamento incompreensível. Sem pé nem cabeça.
O bom senso tem a cabeça ao alto e os pés no chão.
O Mau senso é estranho, mas reconhecível, assim como reconhecemos qualquer pessoa do
nosso relacionamento mesmo plantando bananeiras. Restará entender a razão pela qual, essa
pessoa identificada, jure que está em pé.
Uma conjunção de fatores pode fazer com que tudo corra bem e promova o êxito.
O efeito colateral do sucesso, via de regra, é a arrogância. A elevada autoestima subverte a
lógica fazendo parecer que o mundo planta bananeiras enquanto o herói de si mesmo caminha
célere.
Na altura em que se inicia este relato o personagem Paulo está postado frente a
uma encruzilhada. Dessas conceituais, que surgem do dilema que todos vivemos, vez ou outra,
quando temos que optar por uma alternativa, desprezando outra de igual importância. Era um
bom dilema, diga-se, naquele caso. Ainda bastante jovem tinha conquistado considerável
patrimônio, arrancado em circunstâncias de extrema exposição aos riscos de morte e à
precariedade da subsistência, em local de pouco conforto, para a esposa e os dois filhos
pequenos. Portanto, não havia sido conquista fortuita ou fácil, muito embora fatores ocasionais
o tenham favorecido. A decisão se impunha, porém, ocasionada pelo fim antecipado de um
contrato fundamental, envolvendo as suas duas empresas.
Deveria seguir o conselho do pai: vender tudo e iniciar nova vida retornando ao sul
do país, em cidade desenvolvida, com condições financeiras muito favoráveis ou prosseguir
usufruindo da sua juventude para angariar mais riqueza?
Havia prosperado sob tensas condições, como já se disse. O que ainda não foi
dito é que exercia, a um só tempo, duas funções: a de médico e piloto.
Resgatemos o Paulo daquela encruzilhada, não para interferir na sua decisão,
mas para segui-lo pelo caminho do mau senso para o qual apontou a sua prepotência.
Que não se diga que ele não pesquisou, que não teve a pachorra de ouvir
opiniões acerca do seu projeto. Isso fez. Mas não há de se esperar respostas louváveis para
ideias desprezíveis. Qual a ideia? Construir um pequeno hospital em pista de garimpo no
centro de uma extensa região aurífera. Acessível apenas por pequenos aviões, que claro,
apenas através deles se permitiria erigir o prédio do nosocômio. Alguns já diziam à boca
pequena, sem que o Paulo ouvisse: “nosocômico.”
Vamos à resposta do primeiro pesquisado. Ribeiro, piloto e empresário que havia
Bico-jato |
trazido da Venezuela a rústica tecnologia, do chamado bico-jato. Trata-se de uma bomba
acionada por motor estacionário que faz jorrar com enorme pressão, por uma mangueira de
grande diâmetro, potente fluxo de água do.leito do rio visando ocasionar o desmoronamento
dos barrancos onde, previamente, pesquisas tenham identificado quantidades viáveis de ouro
em pó. Não seria ele, um empreendedor daquele mundo atípico, alguém adequado para ser
ouvido? Pois bem.
Fez cara de paisagem quando ouviu o projeto do hospital. Pela fisionomia não
iria se extrair nada. Mas foi eloquente ao contar uma história que, segundo ele, serviria de
resposta como uma luva. Eis o que contou: um industrial italiano na pretensão de expandir a
sua indústria de calçados imaginou que a África Central seria o local que deveria pesquisar.
Para tanto enviou dois funcionários: um otimista e outro pessimista. O otimista retornou após
um mês com irreprimível euforia: lá é sucesso garantido, pois não observei ninguém usando
calçados. Na sequência voltou, também após estadia africana de um mês, o pessimista. Disse
ele: esqueça patrão. Lá ninguém usa calçado.
O Ribeiro, com essa história fez lembrar o Caetano Veloso, que se perguntado responderia: vai
ser um sucesso estrondoso. Ou não.
Outro piloto antigo da região, respeitado pelas opiniões taxativas e desapego
pelos garimpeiros, quando indagado pelo Paulo e confrontado com o enorme valor a ser
investido no projeto, torceu o semblante em desfeita e disse, lacônico: não se coloca argola de
ouro em focinho de porco.
Confrontado com tais despropósitos opinativos o Paulo assoberbou-se ainda
mais e deu início à construção do primeiro, único e último hospital dos garimpos da Amazônia.
Cessna Skywagon |
Foram quarenta e nove voos com um Cessna Skywagon. Cimento, telhas, madeiras e tudo o
mais que necessita uma construção de quatrocentos metros quadrados foi levado:
equipamentos, pedreiros e que tais. Ao final, médicos, bioquímico, enfermeiros, cozinheira,
pessoal da limpeza. Outros voos de manutenção, diários, com um Piper Corisco, mais
econômico, garantiam o suprimento da cozinha, do óleo diesel para o motor do grupo gerador
que fornecia a eletricidade, do material de limpeza, de todo o medicamento para a reposição do
consumo intenso ocasionado por surtos incessantes de malária.
Construído a um custo várias vezes superior ao estimado, o hospital
funcionava a pleno vapor. Findada a epopéia foi que se passou a enxergar o que a
grandiosidade do desafio ocultava: o custo operacional era absurdo e impraticável.
A soberba, além do mais, subestimara os riscos. Da violência que ali campeava
até não, havia respeito incomum por quem visava promover a saúde. Mas sim da incidência
democrática da malária, que infectava também os que dela tratavam.
Ainda assim, o ineditismo daquele empreendimento ousou salvar vidas, com
cirurgias até, naquele curto espaço de tempo no qual conseguiu se manter no avesso da lógica.
Ao legado do fracasso, porém, que deixou um monumento de quatrocentos metros quadrados
em homenagem ao mau senso, não se acresceu nenhum elogio à moral, já que em nome da
assistência médica se visava, antes de tudo, o lucro.
O jovem Paulo de então envelheceu, como ocorre com todos que não se lhes
antecipa a morte. Foi acolhido pelo mesmo sul daquela encruzilhada. Agora falido. Submeteu-
se aos plantões ombreando com colegas bem mais jovens e convencido de que o médico tem
Enfim, o bom senso.
Paulo Tadeu Poli, Autor de Circunvolucionando. |
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